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13 DE JUNHO – ANIVERSÁRIO DE ANTÔNIO MONTALVÃO, FUNDADOR DE MONTALVÂNIA

Quem conheceu Montalvão garante que de louco ele não tinha nada. Ou não parecia ter. Homem de fala articulada, opiniões firmes e cultura vasta, sua figura impunha respeito e medo.

– Ele fitava o olho da pessoa e conseguia o que queria, dizia Leonardo Marinho, amigo do tempo de escola.

– Minha avó dizia que ele virava toco de pau, conta Josenildo Santos, morador da cidade. Outras versões falam dele virando onça, saco de feijão, ficando invisível. As histórias de um homem tomado por poder sobrenatural desceram as barrancas do Cochá, as águas do São Francisco e ganharam o sertão.

Antônio Montalvão nasceu em 1917 em Nhandutiba, zona rural de Manga. Mas só começou a entrar na História em 1949, quando voltou de um exílio forçado. Aos 22 anos, metera-se numa briga em Goiânia e matara o capataz de um chefe político local. Fugido, foi parar em Buenos Aires.

Depois de dez anos, estava de volta. Voltou sabido, cheio de requintes, diferente do homem que não havia passado da terceira série primária.
E voltou com um projeto: fundar Montalvânia e torná-la um centro de desenvolvimento no coração do país. Erguer a cidade foi fácil. Difícil era emancipá-la do município de Manga e do poder dos coronéis João Pereira e Domiciano Pastor Filho, o Bembem.

Montalvão não era muito chegado em política, mas inventou de virar prefeito de Manga para o bem do projeto. Assumiu em 1959, quebrando longa tradição coronelesca e ganhando o ódio dos inimigos. Então, num dos lances mais insólitos de sua vida, Montalvão pôs a prefeitura de Manga embaixo do braço e a carregou para Montalvânia.

Numa noite chuvosa de 1960, o agente fiscal do município, a mando de Montalvão, punha numa mala todos os livros necessários ao pleno funcionamento da prefeitura. Ninguém soube de nada até o dia seguinte, quando a prefeitura de Manga amanheceu a 64 quilômetros dali, no centro de Montalvânia. Embora tecnicamente fosse um povoado do distrito de Poções, Montalvânia naquele momento era mais cidade que Manga. Tinha água encanada, rede telefônica, posto de saúde, correio, campo de aviação. Dois anos depois, virava município.

Vencida essa parte do plano, Montalvão saiu da política para dedicar-se ao progresso da cidade e ao Instituto Filantropo Cochanino, centro de estudos esotéricos que ficava no topo do Monte Lopino, às margens do Rio Cochá. Meteu na cabeça que devia criar um eixo de desenvolvimento entre Brasília e Montalvânia. Em 1966, partiu de foice na mão, 40 homens atrás, abrindo picada. Traçou 543 quilômetros de estrada, pôs uma camionete Willys verde para rodar, sentou-se ao volante e inaugurou uma linha direta com a capital: “Montalvânia-Brasília: um pulo de sapo”. Fez isso por dois anos.

Montalvão voltou a ser prefeito só em 1973. Candidato único. Quase perdeu para os votos em branco.

– Ele tinha opiniões muito radicais. Tudo deveria ser do jeito que ele queria, diz o atual prefeito, José Florisval de Ornelas. Dinheiro não havia, mas o progresso tinha de vir. Durante seu mandato, Montalvão vendeu duas fazendas para asfaltar Montalvânia. Orgulhoso, soltou um belo boi branco para circular sobre o asfalto: era o deus Ápis. E ai de quem fizesse dele um bife.

– Quando meu pai virou prefeito, dispôs de recursos próprios para melhorar Montalvânia. Depois que ele saiu, a gente não tinha mais nada. Passamos necessidade, fomos morar em barracão. Seu mandato foi cravado de críticas, e com razão: a política já não o interessava mais. Muito mais inspiradoras eram as pinturas rupestres ao redor da cidade, o que ele chamava de “Bíblia de Pedra” diz Cássio Montalvão, um de seus sete filhos.
Montalvão não estava só. Tinha sempre João Vieira a seu lado, o João geólogo. Acordo simples: João ia atrás das inscrições rupestres e o outro lhe pagava a descoberta. Nisso, o escudeiro fiel encontrou mais de cem sítios arqueológicos.

– Percorri essa serra toda atrás das pinturas. Enfrentei muita onça pra achar essas grutas. Quando era garoto, eu achava que as pinturas eram coisa dos índios, mas Montalvão dizia que era de uma civilização muito antiga, que andava de avião e disco voador. Quando veio o Dilúvio, eles foram para Marte. Depois o mundo tornou a criar nova vida, que somos nós. Com a ajuda de jovens médiuns, Montalvão identificava ele mesmo cada pintura e batizava cada sítio: Lapa da Hidra, Labirinto de Zeus, Lapa de Possêidon, Abrigo dos Diplodocus. Os peixes eram submarinos. Os triângulos, naves interplanetárias.

As figuras antropomorfas, divindades africanas, gregas, hindus, andinas, javanesas ou tudo isso ao mesmo tempo. Na Lapa de Gigante viu a imagem de um homem e achou que lá devia estar enterrado o corpo de um gigante. Mandou que eu escavasse 12 metros e, pois, eis que surge a ossada de uma preguiça-gigante, conta João Geólogo, como é chamado.

Ponto para Montalvão, que exibe orgulhoso na cidade a prova física de sua bizarra teoria. O caldo que mistura mitologia, botânica, astronomia, bioquímica e uma farta dose de ficção científica está todo documentado. Sob os auspícios do Instituto Filantropo Cochanino, Montalvão lançou na década de 70 cinco edições da Revista do Brasil Remoto, com suas próprias interpretações das pinturas (veja algumas no quadro) e mais dois livros: Cordeiro Vestido de Lobo – Antificção das Ficções Sonambúlicas e Analogias do Naturalismo Universal, nos quais contesta, de uma só vez, Lavoisier, Newton e Einstein.

Tinha planos de lançar mais 12. Montalvão sustentava a firme convicção de que Montalvânia fora erguida no centro do universo, no “Omphalo Delos, o nó umbilical por sobre o ventre tartárico”. Ou seja: a divisão dos hemisférios não estaria no Equador, e sim numa linha curva que, – surpresa, – passa sobre o norte de Minas.

Todos os mitos, todas as lendas teriam nascido em Montalvânia, à beira do Cochá – “Mama Cocha, o Lago Matriz onde surgiu a humanidade” – e se espalhado pelo mundo depois que os atlantes foram para Marte: “A fase do penúltimo dilúvio ocorrido há 33 mil anos correspondeu à ruptura do saco amniótico da raça humana, quando os marcianos de Adonai (…) transportaram primitivos tupis (…) para a Groenlândia. E assim como tudo começou aqui, tudo começará de novo,” vaticina Montalvão. “O fado de Montalvânia, como berço da humanidade fermentável e como sua própria campa, será o novo berço da humanidade destilada, com seu campanário na voz dessas pedras falantes.”

Antônio Montalvão morreu em 1992, aos 75 anos, de ataque do coração. Morreu só, deitado na rede, na sede do Instituto Filantropo Cochanino, cercado de gatos que julgava serem encarnações de divindades hindus.

Memorial Montalvão

Saiba mais sobre Antônio Montalvão visitando o Memorial Montalvão localizado a Praça Hiparco.

on 13 Junho 2020
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